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Assassino Impune

12-01-2011 11:05

 Da revista Veja, edição 2198 – ano 44 – número 1;  5 de janeiro de 2011

Ao apagar das luzes de seu governo o ex-presidente ignora tratado bilateral e recusa-se a extraditar o terrorista italiano Cesare Battisti.

O ex-presidente brasileiro repetiu às vésperas de se recolher em São Bernardo do Campo, o principal norteador dos piores momentos de seus oito anos de governo: colocou a ideologia acima da lei. Na sexta-feira 31, o último dia de seu mandato, o ex-presidente recusou a extradição para a Itália do terrorista de esquerda Cesare Battisti, condenado em seu país à prisão perpétua pelo assassinato de quatro pessoas, no fim dos anos 70, Battisti, que vivia desde 2004 no Rio de Janeiro, depois de fugir da França de onde estava para ser extraditado, foi preso em 2007 a pedido do governo italiano. Em respeito ao tratado de extradição firmado entre os dois países em 1989, o criminoso deveria ter sido enviado à Itália para cumprir sua pena. Mas o então ministro da Justiça, Tarso Genro, resolveu conceder refúgio político da Battisti, para agradar às alas radicais de se partido, o PT. Genro usou o argumento de que Battisti não tivera um julgamento justo na Itália e que sua integridade física estaria ameaçada se fosse extraditado. As justificativas, de tão absurdas, foram derrubadas pelo Supremo Tribunal Federal, em 2009. Os ministros do STF consideraram que Battisti cometera crimes comuns, não políticos, e autorizaram sua extradição com a ressalva de que a palavra final teria de ser dada pelo presidente da República.

O ex-presidente adiou até o último instante o anúncio de que o terrorista deveria permanecer no Brasil. Ele explicou a medida com a tese, elaborada pela Advocacia-Geral da União, de que há bons motivos para supor que Battisti seja vítima de perseguição política se devolvido ao seu país. A fundamentar esse temor, a AGU citou a “mobilização pública em torno do caso” na Itália. “Usar esse argumento desonra a Itália, um país democrático, com sistema judicial sólido”, diz Maristela Basso, professora de direito internacional da Universidade de São Paulo. Detalhe: em vez de solicitar um parecer técnico à AGU, para, com base nele, tomar um resolução, o ex-presidente pediu uma justificativa técnica para embasar sua opção já tomada de antemão de negar a extradição. A ideologia acima da Lei.

O que para os petistas é uma queda de braço entre um governo de direito (o do primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi) e um de esquerda ( o do PT, no Brasil) é na verdade, simples questão de justiça. Battisti foi membro do grupo extremista Proletariados Armados pelo Comunismo (PAC), uma dissidência das Brigadas Vermelhas, que aterrorizaram a Itália na década de 70, os “anos de chumbo”, com uma onde de assassinatos, sequestros e assaltos. O objetivo do grupo era substituir o regime democrático por uma ditadura comunista. Em 1981, Battisti fugiu da cadeia e, sete anos depois, foi condenado à revelia à prisão perpétua. Com base em vários depoimentos, um dos quais fornecido por dos líderes do PAC, a Justiça italiana confirmou a culpa de Battisti em quatro assassinatos: os de dois agentes policiai, um açougueiro e um joalheiro, este executado diante do filho de 14 anos, que, também atingido, ficou paraplégico. As duas últimas vítimas foram mortas por reagir a uma “expropriação proletária”, eufemismo usado pelo PAC para assalto à mão armada.

Sintomaticamente, o governo brasileiro adotou uma atitude diferente ao posicionar-se quanto ao destino de dois cidadãos que fugiam de um regime pelo o partido do ex-presidente sente afinidade: o de Cuba. Em agosto de 2007, os boxeadores cubanos Gilhermo Rigondeaux e Erislandy Lara, que desembarcaram no Rio de Janeiro para participar dos Jogos Pan- Americanos, fugiram da concentração. Em menos de 48 horas foram deportados para Cuba, a pretexto de que estavam sem passaporte. Evidente que estavam sem documentos; estes haviam sido apreendidos pelos leões de chácara da delegação cubana. Sendo o regime castrista o que é, não restava dúvida de que os boxeadores sofreriam perseguição política após a deportação – como de fato ocorreu.

O governo italiano e os partidos de centro e de esquerda daquele país demonstraram estupor e indignação com a decisão do ex-presidente brasileiro de livrar Battisti de pagar por seus crimes. O embaixador brasileiro foi chamado de volta à Itália, para consultas, e, em nota, o primeiro-ministro Silvio Berlusconi avisou que tentará impedir de todas as maneiras legais que o assassino seja libertado e possa pedir visto de permanência no Brasil. Em visita de Lula a Roma, em novembro de 2009, Berlusconi deu a entender que, se o Brasil optasse por dar refúgio a Battisti, ao menos não fosse por “temor de perseguição política”. Nem nisso foi respeitado. Ainda há a possibilidade de o STF derrubar a decisão, se considerar que os argumentos jurídicos encomendados pelo ex-presidente à AGU repetem àqueles usados por Tarso Genro para conceder o refúgio. Se isso não ocorrer, a credibilidade internacional do Brasil será abalada. Na hipótese de a Itália levar o caso à Corte Internacional de Haia, o país poderá sofrer sanções. “Ainda que não houvesse um tratado, o presidente ir contra a decisão do STF será uma ruptura com nossa tradição diplomática. Com tratado é uma afronta ao princípio mais básico de direito internacional, um ato ilícito”, diz Francisco Rezek, ex-chanceler brasileiro e ex-juiz do Tribunal de Haia. O caso Battisti também abre um precedente incômodo. No mês passado, Cesar Alejandro Enciso, de 60 anos, foi preso no Rio de Janeiro a pedido da Itália, que pretende julgá-lo por torturar cidadãos durante a ditadura argentina. Dilma Rousseff, ela própria supliciada, poderá se ver na situação de ter de dar status de refugiado a um torturador.

Em seu derradeiro dia no poder, o ex-presidente deixou um abacaxi de presente para Dilma.

 

Cesare Battisti